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sábado, 27 de abril de 2013

Heartwashing: Como a ficção modela as nossas emoções

É possível que a certa altura tenhas sentido (ou sentirás) que as tuas emoções não correspondem, ou não estão à altura de, a um dado evento. Por exemplo, alguém que te é próximo morreu, mas não lamentas a morte desse alguém tanto quanto queres ou achas que devias. Talvez nesse momento uma pergunta te cruzasse a mente: O que há de errado comigo? Será que não tenho coração? 

Não se trata disso, o teu estado psíquico está em ordem, o problema é o próprio evento: ele não apresenta a maquilhagem necessária/indicada para sentires as emoções que achas que deverias sentir; a luz é demasiado intensa, a música não é melancólica, os figurantes não têm expressão, enfim, a cena não é cinematográfica.

Talvez já tenha acontecido de teres visto um filme no qual figuram esses elementos acima mencionados, inclusive falta a daquelas barras pretas no topo e no fundo da tela que dão o efeito 16:9 à película, e por isso não gostaste do filme, achaste-o antes uma filmagem amadora feita por pessoas normais, e portanto os teus sentimentos em relação a esse filme foram normais. Por outro lado, os filmes de drama dos grandes estúdios  têm o poder (monetário e estético) de fazer as pessoas chorarem.

                                                                                                 via: The Film Pilgrim
Cinema: "Esta é a parte em que é suposto chorares, que nem um bébé."


O que se passa é que a ficção – TV, cinema, radio, livros, etc., têm vindo a ensinar-nos como devemos sentir e como devemos nos comportar face a diferentes situações da vida. Por exemplo, é aconselhável fugir quando vemos uma pessoa com uma arma, mas os romances ensinam-nos que devemos ser heróis e arriscar a nossa vida; sendo que a diferença é que na ficção as coisas correm sempre bem, mas na vida real as coisas podem (e muitas vezes) ir de mal a pior. O mesmo se aplica às relações amorosas. 

Da mesma forma, a media manipula a maneira como os telespectadores vêm as guerras, a fome e as outras (grandes) tragédias que caem sobre a raça humana. É uma questão de editar os factos antes de servi-los numa bandeja prateada e decorada.  Portanto, se queremos tornar algo mais emotivo há que se acompanhar esse algo com uma música a condizer, por exemplo. 

                                                                                                        via: theguardian
TV: "Nesta imagem vê-se a guerra. 
Os cidadãos (aparentemente sem armas) são os inimigos." 

E isso é tão prático que até nas relações amorosas, onde os sentimentos são dos mais genuínos por causa da natureza pura e bruta das paixões, as pessoas esperam ver algo parecido com o que vêm nas comédias românticas. Daí que aparecem as desculpas: “Eu não senti o click.”. Se bem que esse click tem a ver (também) com o próprio organismo de cada indivíduo, mas isso é um assunto para outro post.

2 coisa(s) escrita(s) depois:

  1. Gostei muito deste texto. Partilhei no Facebook e acrescentei algumas observações que complementam esta mensagem. Reproduzo o texto abaixo:

    Este artigo ressoa profundamente com pensamentos que tenho frequentemente. Por exemplo, eis um extrato de umas notas pessoais que apontei há uns anos atrás:

    "Are the imaginary feelings, places and people I long for after reading all those adventure books as a child, or that "high" I get as I leave the cinema following an intense movie, as ethereal as the fiction they are inspired on? How close to that can I get? Could "real" happiness and "real" love be something as overwhelming as these feelings?"

    O webcomic xkcd tem um ponto de vista semelhante acerca da "sobre-romantização" do amor: "It just leads to the idea that either your love is pure, perfect, and eternal, and you are storybook-compatible in every way with no problems, or you're LYING when you say 'I love you'."

  2. Obrigado por ter gostado e partilhado.

    Compreendo bem esses seus pensamentos. O que acontece neste caso é o mesmo que acontece nas indústrias de estética (cosméticos, roupas e beleza e me geral): estabelecem um padrão tão ridiculamente alto do que é o ideal da beleza que faz as pessoas lutarem por esse ideal esquecendo que nós somos apenas humanos. E se não nos aceitarmos primeiro como somos não seremos capaz de avançar.

    E por causa disso também passamos uma vida inteira frustrados por não encontramos o nosso "verdadeiro amor" (conforme descrito pelo romance ficcional).

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