Não se trata disso, o teu estado psíquico está em ordem, o problema é o próprio evento: ele não apresenta a maquilhagem necessária/indicada para sentires as emoções que achas que deverias sentir; a luz é demasiado intensa, a música não é melancólica, os figurantes não têm expressão, enfim, a cena não é cinematográfica.
Talvez já tenha acontecido de teres visto um
filme no qual figuram esses elementos acima mencionados, inclusive falta a daquelas
barras pretas no topo e no fundo da tela que dão o efeito 16:9 à película, e
por isso não gostaste do filme, achaste-o antes uma filmagem amadora feita por
pessoas normais, e portanto os teus sentimentos em relação a esse filme foram
normais. Por outro lado, os filmes de drama dos grandes estúdios têm o poder (monetário e estético) de fazer as pessoas chorarem.
via: The Film Pilgrim |
Cinema: "Esta é a parte em que é suposto chorares, que nem um bébé."
O que se passa é que a ficção – TV, cinema,
radio, livros, etc., têm vindo a ensinar-nos como devemos sentir e como devemos
nos comportar face a diferentes situações da vida. Por exemplo, é aconselhável
fugir quando vemos uma pessoa com uma arma, mas os romances ensinam-nos que
devemos ser heróis e arriscar a nossa vida; sendo que a diferença é que na
ficção as coisas correm sempre bem, mas na vida real as coisas podem (e muitas
vezes) ir de mal a pior. O mesmo se aplica às relações amorosas.
Da mesma forma, a media manipula a maneira
como os telespectadores vêm as guerras, a fome e as outras (grandes) tragédias
que caem sobre a raça humana. É uma questão de editar os factos antes de
servi-los numa bandeja prateada e decorada. Portanto, se queremos tornar algo
mais emotivo há que se acompanhar esse algo com uma música a condizer, por
exemplo.
via: theguardian |
TV: "Nesta imagem vê-se a guerra.
Os cidadãos (aparentemente sem armas) são os inimigos."
Os cidadãos (aparentemente sem armas) são os inimigos."
E isso é tão prático que até nas relações
amorosas, onde os sentimentos são dos mais genuínos por causa da natureza pura e
bruta das paixões, as pessoas esperam ver algo parecido com o que vêm nas
comédias românticas. Daí que aparecem as desculpas: “Eu não senti o click.”. Se bem que esse click tem a ver (também) com o próprio
organismo de cada indivíduo, mas isso é um assunto para outro post.
2 coisa(s) escrita(s) depois:
Gostei muito deste texto. Partilhei no Facebook e acrescentei algumas observações que complementam esta mensagem. Reproduzo o texto abaixo:
Este artigo ressoa profundamente com pensamentos que tenho frequentemente. Por exemplo, eis um extrato de umas notas pessoais que apontei há uns anos atrás:
"Are the imaginary feelings, places and people I long for after reading all those adventure books as a child, or that "high" I get as I leave the cinema following an intense movie, as ethereal as the fiction they are inspired on? How close to that can I get? Could "real" happiness and "real" love be something as overwhelming as these feelings?"
O webcomic xkcd tem um ponto de vista semelhante acerca da "sobre-romantização" do amor: "It just leads to the idea that either your love is pure, perfect, and eternal, and you are storybook-compatible in every way with no problems, or you're LYING when you say 'I love you'."
Obrigado por ter gostado e partilhado.
Compreendo bem esses seus pensamentos. O que acontece neste caso é o mesmo que acontece nas indústrias de estética (cosméticos, roupas e beleza e me geral): estabelecem um padrão tão ridiculamente alto do que é o ideal da beleza que faz as pessoas lutarem por esse ideal esquecendo que nós somos apenas humanos. E se não nos aceitarmos primeiro como somos não seremos capaz de avançar.
E por causa disso também passamos uma vida inteira frustrados por não encontramos o nosso "verdadeiro amor" (conforme descrito pelo romance ficcional).
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